segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Resenha: Gaveta Aberta, de Ítalo Anderson


Pra que coisa melhor do que falar de livro brasileiro? Inaugurando as resenhas de livro de poesia com Gaveta Aberta, de Ítalo Anderson.

Nunca fui uma grande conhecedora de poesias e sempre me angustiei um pouco por não saber onde procurá-las e onde conhecer autores. Eis que por uma enorme sorte se descobre que os bons poetas andam ao seu lado e às vezes cursam o ensino fundamental junto com você!

Ítalo Anderson Clarindo, novo autor brasileiro, estudou com a gente (Mari e eu) durante todo o ensino fundamental. Só agora, porém, temos a oportunidade de conhecer sua obra.

Inicialmente, queria dizer que achei a capa do livro linda e de muito gosto. Antes de dar início à leitura, especula-se sobre a qualidade da obra pela capa, pelo seu título criativo e também pelos nomes dos poemas que vemos do índice do começo. Gaveta Aberta me deu uma sensação de revelações descuidadas, como uma parte de alguém que se revela, não por ser secreta, mas por se permitir ser mostrada (evidentemente, isso é algo bem subjetivo, mas aí mesmo está uma vantagem da linguagem poética!).

Gaveta Aberta é um livro muito sensível, muitos de seus poemas traduzem sentimentos sem nome que temos e não conseguimos nomear ou definir. Há uma abordagem abrangente de temas pelo autor, dando espaço para desde as questões emocionais e existenciais até os sentimentos passageiros e as situações inusitadas. Em todos os poemas, porém, o autor mantém sua simplicidade, marca de sua escrita.


É uma leitura muito agradável e de uma criatividade que salta aos olhos. Tenho certeza que é uma obra agradável para todos os públicos, até mesmo os que não costumam ler poesia. Super recomendo!


Nada melhor do que a leitura para conhecer a essência do livro e do poeta, portanto, termino essa resenha com alguns dos poemas que mais me chamaram a atenção.

-Beatriz

Ítalo possui duas páginas no facebook para quem desejar conhecê-lo melhor.
https://www.facebook.com/GavetaAbertaLivro?fref=ts (página do livro Gaveta Aberta)


Relógio cravejado
Comprou-a um relógio
Todo cheio de pedra
Na feira da catedral
Sussurrava no ouvido
Segurava mão depois da missa
Dizia ser o tal
Te amo, docinho
Fica assim comigo
Te quero tão bem
Acode, painho
O relógio era falso
E o amor também.


Poema fiscal
Meio da rua
Da rua do meio
Centro da cidade
Ouço um tiroteio
Medo de perder a vida
Encontro uma caneta
Inspiração indevida
Ideia fora de hora
Pra não perder o poema
Prum poeta pega mal
Escrevi o bendito
Em uma nota fiscal.


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Resenha: A Garota que Você Deixou Para Trás, de Jojo Moyers.


Olá caros leitores!


Fico muito feliz em anunciar que temos mais uma colaboradora para o Universo na Estante. O nome dela é Laura Ribeiro, também faz Direito, e nós conhecemos no nosso 1° ano do Ensino Médio. Novamente, o que nos deixou mais unidas foi a leitura e a escrita. Vivíamos trocando livros, cada uma pedindo os livros da outra que achava interessante e depois comentando sobre o que havíamos gostado mais. Suspiramos por muitos personagens, e odiamos outros, juntas. Ok, a quem estamos enganando? Ainda fazemos isso!

E ela já estreia no Blog com uma resenha! Esperamos que vocês gostem!


- Mariana Estrela.

_______________________________________________________________ 
“Imagine só. [...] O que a gente perde. Só tentando se agarrar a umas poucas coisas.”


Essa frase certamente resume bem esse livro para mim. A história de A Garota que Você Deixou Para Trás fala sobre arriscar tudo por aquilo e por aqueles que ama, mas ao mesmo tempo saber quando se deixar libertar, justamente para se reencontrar.


Este livro é o terceiro da autora Jojo Moyes publicado pela Editora Intrínseca no Brasil. Os outros são “A Última Carta de Amor” e “Como Eu Era Antes de Você”.  Há outros títulos da autora traduzidos para o português, mas é provável que suas edições estejam esgotadas.

A Garota que Você Deixou Para Trás, ou A garota, como você aprende a chamar durante o livro, acompanhaa ligação de duas histórias que é feita por um quadro durante 100 anos, período esse em que ele foi “perdido” e “achado”. O quadro liga a história de duas mulheres: Sophie Lefevré, francesa cuja família está sendo devastada diante da invasão da França pela Alemanha na Primeira Guerra Mundial; e Liv Halston, jovem nos dias atuais em Londres, viúva do amado marido, arquiteto renomado, que lhe presentou com o quadro na lua de mel deles. O quadro é um retrato de Sophie, feito por seu marido Edouard, e ele nos leva por uma viagem à França ocupada pelos alemães e, ao mesmo tempo,muda a vida de Liv para sempre.

Sophie e Liv são personagens diferentes e ao mesmo tempo muito parecidas. A diferença é que para Sophie a vida não oferecia alternativa. Era ser forte ou ser forte, pelo próprio futuro, de seu amado Edouard que estava no front de batalha, e de sua família. Liv, após a morte precoce e súbita de David, o qual ela considerava o seu grande amor, se fecha na casa deles, a Casa de Vidro. A casa, uma das criações de David era, praticamente toda feita de deste material, à beira do rio Tâmisa. A descrição da casa por si só é muito interessante. O material usado na casa é predominantemente vidro, e tudo dentro da casa é minimalista e funcional. David odiava o supérfluo. Os únicos cômodos com o vidro obscurecidos – que não dá para ver de fora para dentro e nem vice versa - são os banheiros, e, nas palavras de Liv, David teve que ser persuadido para que ali também não houvesse a transparência predominante na casa, de se poder ver o que acontece fora, mas não o contrário. Há um teto com uma claraboia retrátil, que revela um céu estrelado para uma Liv, de início, preocupada com as contas que não tem como pagar e na hipoteca da casa, além de, claro, lidar com o vazio e com a mudança que ocorre em sua vida depois que David morre. As duas personagens, entretanto, são muito fortes. Sophie em sua esperança e fé inabaláveis e Liv, como bem diz seu pai, sendo heroína o suficiente para continuar “tocando o barco”. 

Moyes alterna as duas histórias, de épocas e contextos tão diferentes, com maestria, de forma parecida com a que escreveu A última Carta de Amor. Quando você não aguenta de ansiedade para ver o que vai acontecer na nem tão pacata vila de St Péronne, onde Sophie mora, o capítulo seguinte começa a contar a história de uma perdida Liv, que não reconhece mais a si mesma depois da morte do marido e ainda é alvo de amigas que querem lhe ajuda a encontrar um novo amor. Quando então você quer saber o que vai acontecer entre Liv e Paul – Ah, Paul! – se ela finalmente vai se permitir a chance de ser feliz e como os dois vão lidar com a situação do quadro, o próximo capítulo descreve uma Sophie preocupada que esteja colaborando demais com os alemães, mesmo que os seus motivos para ela fossem os mais sagrados e claros possíveis – Edouard e sua família. Colaborar seria a palavra usada pelas idosas fofoqueiras da vila. Sophie e a irmã passaram a cozinhar para os oficiais alemães e isso lhes rendeu uma má fama com seus conterrâneos. Como se elas tivessem outra opção com duas crianças e um adolescente em casa para alimentar, em uma cidade em que quase todos estavam quase em estado de inanição; além de claro, o fato de não ser muito inteligente resistir às “gentis” ordens dos alemães.

É importante dizer, Liv descobre a história por trás do quadro um pouco depois dos leitores. Até um certo momento, ela só sabe que o quadro se chama A garota que Você Deixou Para Trás e que aquele retrato sempre a desperta emoções diversas. Liv não poderia imaginar a história por trás dele, até que um certo Paul McCafferty cruza sua vida. Americano, Paul veio para Londres para tentar ajustar seu casamento com uma inglesa, a qual estava infeliz morando na América. O casamento, entretanto, não dá certo e Paul vive entre visitar o irmão no bar, as visitas de Jake, seu filho e o trabalho. Este é justamente recuperar obras de artes que foram roubadas e perdidas há muito tempo. É claro que Liv não vai lidar bem com isso, ao descobrir que seu amado quadro pode ser tirado de suas mãos e que o responsável por isso possa ser justamente Paul. Há ainda uma interessante dinâmica entre Liv e Mo. Ela é uma antiga conhecida que Liv reencontra ao tentar fugir de um encontro arranjado. Mo é descrita como gótica, é extremamente direta, e divide seu tempo entre ser garçonete em um restaurante – sendo gentil com os bons clientes e armando peças para os não tão bons - e dar assistência a um lar de idosos.

O livro em si não é livre de defeitos. Há falhas, que acredito serem resultado da tradução, mas não posso afirmar com certeza. Há palavras que são colocadas fora do lugar, fazendo o ritmo diminuir um pouco. E há problemas com pronomes, acontecendo de em alguns poucos momentos não se saber sobre quem o narrador está falando. Mas o livro em geral é muito bem escrito, alternando entre duas histórias tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidas. Fala sobre superação, fé, força e aprender a se libertar. É como essas duas mulheres conseguiram ser heroínas ao seu modo.

A garota que você deixou para trás a primeira vista pode parecer contar uma história melodramática – e dessa vez a culpa não é da tradução, que é literal. Mas basta uma folheada inicial para se perceber o equívoco nessa interpretação e aproveitar uma ótima leitura. Não é um livro que você vai esquecer no dia seguinte. Ao acompanhar a realidade dessas duas mulheres e finalizar o livro, senti aquela sensação maravilhosa que se tem quando se lê um livro do qual você não esperava que seria tão bom, que lhe surpreende, e lhe entrega a redenção das duas personagens. Aquela sensação de que as personagens estão vivas, e poderiam estar em algum lugar da Europa, neste exato momento. E que com certeza, o quadro de A garota que Você Deixou Para Trás está encarando alguém neste instante, provocando, respondendo, indagando e inquietando. 


P.s: Apenas depois de ler o livro, descobri que há um conto que precede a história contada no livro. Se chama “Honeymoon in Paris”, e conta justamente a história da lua de mel de Sophie e Edouard, fazendo paralelo com a de Liv e David. Creio que seja mais interessante ler antes do livro, mas a escolha é sua. Foi lançado apenas em e-reader e não creio que tenha sido traduzido para o Brasil. 



    - Laura Ribeiro.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Opinião: E-Readers: Os livros irão realmente acabar?


Sempre olhei com bastante receio as matérias que indicavam que os livros de papéis que conhecemos – e amamos –hoje iriam acabar e que a tecnologia iria substituir as bibliotecas. Como muitos amantes da literatura, amo pegar livros, sentir seu cheiro, observar suas capas e notar as páginas chegarem ao fim. Para muitos é quase um ritual, como uma degustação de vinhos caros e raros. Há algo de tão poético nesse pequeno ritual, que possivelmente não poderia ser descrito em palavras, somente algumas pessoas tem o prazer de sentir a emoção de segurar um livro.

Recentemente, contrariando todas as minhas crenças, comprei um E-reeder.Sim, logo eu, que por muitas vezes tentei explicar aos outros o prazer de sentir o cheiro de um livro novo, me rendi a tecnologia. E ouso dizer: os livros não irão acabar, as livrarias não irão falir e poderemos continuar a sentir o cheirinho de livros. O porquê da minha convicção, explico abaixo.

Primeiramente ressalto que, mesmo após comprar um E-reeder, no caso o Kobo da Livraria Cultura, já cheguei a ir à livraria algumas vezes, já comprando dois livros desde então, com apenas um mês de leitor digital. Como já explicado antes, não acredito que nada possa substituir o ritual de leitura de um livro de papel e, ainda com os preços dos leitores digitais abaixando, as livrarias – Graças a Deus! – continuam lotadas.

A verdade é que os e-reeders são muito práticos, basta um simples toque e o livro já é seu, não precisamos sair de casa, não precisamos esperar alguns dias para que sua encomenda chegue, basta um simples clique e temos todo um universo novo a nossa disposição. Para alguns, entretanto, esse “simples clique” ainda não compensa em termos financeiros: a diferença de preço entre um e-book e um livro de papel ainda é muito pequena. Encontrei, por várias vezes, e-books somente R$ 5,00 ou $ 10,00 mais baratos que livros físicos. Chega a ser um incentivo para ir à livraria: todas as vantagens do livro – além da possibilidade de emprestá-lo, para quem gosta – por uma diferença tão ínfima. Talvez, por esse motivo, o mercado de e-books ainda demore a se desenvolver, poucos vêem vantagens em comprar livros digitais tão caros. A pergunta que se passa na cabeça de todos é a mesma: porque um e-book é tão caro, quando o gasto com sua venda é menor? Não precisa imprimir as páginas, elaborar capas elegantes, pagar impostos, pagar salários dos vendedores ou pagar custos com o transporte e, ainda assim, a diferença entre e-books e livros físicos é quase insignificante. Confesso que não vim aqui responder-lhes essa questão, mas se um dia descobrir, prometo divulgar a resposta.

Você, caro leitor, pode estar pensando nesse momento: mas e os sites que disponibilizam livros grátis? Confesso que baixei alguns livros por esses sites – não estou incentivando a pirataria, juro! – entretanto, encontrei alguns problemas, entre eles:

 
  1. A ausência de livros: não vejam os sites de e-books como livrarias, procurei por vários títulos e não os encontrei. Porque? Simples, eles preferem disponibilizar livros mais famosos, como as famosas séries infanto-juvenis. Não os culpo, é realmente uma maneira de trazer maior público para o site, já que a faixa etária que mais utiliza a Internet e tem uma maior abertura ao conceito de livros digitais, é a de jovens.
  2. Problemas de tradução: Muitos dos livros que eu baixei, não foram traduzidos oficialmente, erros bobos de tradução e até mesmo digitação atrapalham a leitura. A falta de uma edição e correção faz mais falta do que podemos imaginar. 
  3. Livros incompletos: tive problemas com um e-book em particular, em que ele veio sem várias páginas da historia, principalmente em finais de capítulos. Em princípio pensei, inocentemente, que se tratava de um estilo de escrita do autor, depois percebi que não era possível, pois quase nada fazia sentido. Quando fui averiguar, várias páginas do e-book estavam faltando. Acabei perdendo interesse em continuar a leitura.

De qualquer forma, se você não se importa com esses eventuais problemas nesses sites, não sinta medo, vá com fé que você provavelmente vai gostar de ter um E-reeder.

Sinto que, nesse ponto muitos podem estar pensando se eu me arrependo de ter comprovado um Kobo. A verdade é que não, tem me ajudado muito nos meus estudos (estudantes de ciência humanas, principalmente direito, irão adorar, ter como ler todos os livros em pdf, sem precisar imprimir ou tirar xérox). As ferramentas de leitura do Kobo são muito boas, com a possibilidade de procurar o significado das palavras de maneira quase instantânea, marcar frases ou páginas, publicar frases diretamente no seu Facebook, e ainda tem-se a possibilidade de levar para todos os lugares.

E além, uma promessa futura me mantém a esperança de poder aproveitar ainda mais o meu Kobo: A Kindle lançou um sistema, quase como um “Netflix de livros”, você tem acesso a todos os livros do catálogo, por uma taxa mensal. Infelizmente, o sistema só está disponível nos Estados Unidos, mas não acho que demore muito para chegar por aqui.

Se eu acho que esse novo serviço da Kindle irá acabar com os livros físicos? Ainda assim, acho que não. Somente quem tem uma pequena biblioteca em casa sabe a alegria de vê-la aumentando, e ainda temos muitos leitores conservadores, que não trocam as páginas amareladas dos livros por brilho de tela nenhum. Mas acho que esse serviço possa ajudar os leitores: as editoras podem se sentir obrigadas à abaixarem os preços dos livros físicos, e - porque não sonhar mais alto? – o governo pode até mesmo diminuir os impostos.

Para os mais ligados à tecnologia: experimentem os E-reeders, as possibilidades de leitura deles são muitas! Para os mais conservadores: os e-books estão bem longe de substituir os livros físicos – se isso um dia vier a acontecer, não se preocupem!

Para finalizar, um textinho, em que o Ariano Suassuna fala, de maneira até engraçada, sobre a "revolução dos e-books":

Ariano nunca cedeu ao computador. Nem à máquina de escrever. Preferia tecer à mão os seus belos textos literários. Por isso, foi convidado a participar de um evento no Recife, onde seriam apresentados os avanços da informática e, de quebra, a presumível morte do livro, decretada pelo advento do maravilhoso e-book.


— Quando o japonês mostrou toda aquela parafernália - contou-me Ariano - eu indaguei: "Então é nisso que vou ler livros? E quando quiser ir ao banheiro, carrego junto essa joça? Levo isso para a cama a fim de ler antes de dormir? E se cai no chão? E se a energia acaba?" O japonês ficou apertado de costura, insistindo em justificar o avanço da tecnologia. Propus um teste: "Já que você diz que vamos fazer livros nesse troço aí, vamos ver como ele escreve textos. Redija aí o meu nome: Ariano Villar Suassuna." O japonês digitou o Ariano e o bicho aceitou. Digitou o Villar e o diabo fez aparecer o corretor apontando erro e sugerindo vocábulo aproximado - "Vilão". Em seguida, digitou Suassuna. Mesma coisa. O vocábulo aproximado era "Assassino". Eu disse: "Como vou escrever numa coisa que me chama de Ariano Vilão Assassino?"

P.s.: Dei de presente para minha mãe um Kindle, e ela simplesmente adorou! Olha só a surpresa ao ver uma leitora conservadora se render ao apelo dos e-books!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Resenha: Eu Receberia As Piores Notícias Dos Seus Lindos Lábios, de Marçal Aquino.

Mais um ótimo, original, moderno e brasileiríssimo livro sendo resenhado aqui.

Marçal de Aquino é jornalista escritor e roteirista de cinema brasileiro. Tem livros de literatura em prosa infantil e adulta publicados, assim como de poesias.

Primeiramente, não é possível deixar de comentar sobre esse título. Em uma palavra: poético. Além de compactuar fielmente com a história e com os personagens, como poderá ver quem puder ler o livro inteiro, pois esse título condiz perfeitamente com o amor entre os protagonistas.

Esse livro conta a história de um amor proibido entre uma linda, fatal, doce, escandalosa, meiga, devastadora e casada mulher chamada Lavínia e um fotojornalista chamado Cauby. Ela é uma moça de origem humilde, nascida em Linhares, cidadezinha de Espírito Santo, sem futuro e sem passado promissores. Os dois se conhecem numa pequena cidade do Pará, onde coincidiram de morar. Ele vive uma vida boemia, desorganizada e ela é a esposa de um respeitado pastor. Ambos sem grandes expectativas pessoais, vão se conquistando aos poucos até cederem completamente um ao outro. 


"Eu afundaria todos os navios essa noite, Lavínia. Incendiaria um porto. Só pra ver o brilho das chamas refletindo nos seus olhos escuros".


A trama principal é sobre esse romance que se desenrola essencialmente carnal e, de todo, hedonista, porém, que não deixa de perder a alcunha de “amor”. Há ainda uma trama secundária, gerando uma contraposição ou comparação entre o relacionamento mais do que concretizado de Lavínia e Cauby e um amor platônico de outro personagem, o careca, por sua idolatrada Marinês.

O careca não cansa de repetir que a esperança é o pior dos venenos? É. Porém muitas vezes é também o único remédio.” (Cauby)

O livro é narrado em flashes. Uma estratégia boa pra quem não quer se apegar a ordens cronológicas ou à sequências de acontecimentos próximos. É como se fosse possível “escolher” os fatos principais que supostamente residem na memória dos personagens para caracterizá-los e criar seus ambientes. Os flashes são apresentados pelos pensamentos do protagonista masculino, que está envolvido em um diálogo longo e emaranhado com seu amigo careca, que conta pela enésima vez a história que conviveu com Marinês, o amor da sua vida. Essa conversa dos amigos segue o livro do começo ao fim.


Intercalando as duas histórias de amor e as teorias reais de um psicanalista atual chamado Dr. B. Schianberg, o livro faz uma análise sobre conquistas sexuais e amorosas. Fala sobre os tipos de comportamento que as pessoas têm nos relacionamentos. Fala do ciúme, do desejo, das atrações, dos detalhes, da cumplicidade e muito mais. Cauby é supostamente um grande fã do psiquiatra, por isso, as teorias são mostradas nos pensamentos dele, junto com o seu enlace amoroso, que é usado para testar as afirmações de Schianberg.

O amor é sexualmente transmissível”. Eis a tese que o livro defende quase cientificamente. O casal principal é usado como prova por sua pureza de sentimentos nascentes do contato físico, livre e "proibido".

Lavínia me beijou no rosto e entrou em casa. O engraçado é que eu estava meio nervoso, e ela também. Tensos. Schianberg sustenta que temos sensores internos, animais, que nos avisam em certas ocasiões. As especiais.”(Cauby)

No desenrolar do romance proibido e "secreto" dos protagonistas, ambos são vítimas de censuras, intromissões e chantagens das quais se esquivam e tentam até mesmo ignorar porque se desejam demais e para eles nada é tão forte e vívido quanto isso.

"O professor Schianberg diz que a natureza do amor, de não nos permitir escolher por quem nos apaixonamos, é uma rota que pode conduzir à ruína. Entendo por que Schianberg escreveu isso. E dou razão a ele. Alguns amores levam à ruína. Eu soube disso desde a primeira vez em que Lavínia entrou na minha casa.”(Cauby)

O leitor é transportado para uma pequena cidade com gente de vidas lentas e comuns. Mas tudo sem ideias preconceituosas e estereótipos. Para quem conhece pequenas cidades assim, há uma sensação de identificação com as festinhas, com a religiosidade, com a falta do que fazer, com as fofocas que todos ficam sabendo, etc. O livro foi bem ambientado.

Os personagens são interessantes desde os seus nomes: Dona Jane, Pastor Ernani, Cauby, Lavínia, Marinês, Chang, Zacharias, entre outros. São nomes peculiares e que também contribuem para criar a atmosfera da história. Cada um dos personagens secundários tem particularidades nas atitudes que nos revelam as suas impressões, tornando-os assim, caricatos (não no sentido clichê, mas no sentido de causarem impressões coerentes).

Quanto à Lavínia, a personagem enigmática e paradoxal do livro, seu desenvolvimento não é de decepcionar. Ela tem oscilações de comportamento drásticas que se explicam no decorrer da trama através da recontagem do seu passado. Lavínia hora age como se os prazeres sensoriais fossem seu combustível vital, hora como se a pureza física pudesse redimi-la de tudo, sem contar com seus surtos enlouquecidos esporádicos. Viajando um pouco, gostaria de fazer uma análise pessoal: Lavínia teve uma vida sexual excessiva e precoce. Acredito, particularmente, que o autor quis fazer um paralelo entre ela e as histéricas de Freud que enlouqueciam pela repressão sexual (ainda existem tais histéricas até hoje, já que a repressão ainda não acabou, apenas ficaram famosas pelos estudos daquela época). Não porque ela tenha sido reprimida, mas porque também conheceu e vivenciou o sexo de forma desequilibrada, porém, excessiva, numa linha tênue entre o natural e o doentio. Isso é muito interessante de se observar na narrativa.

Apesar dos problemas de Lavínia parecerem inicialmente sem pé nem cabeça, o autor os explica e até lhes confere uma boa lógica. Não fica nada mal terminado nesse livro.

A escrita é simples e direta, com um predomínio de frases curtas. O conteúdo é apresentado sem rodeios, de forma clara. Os discursos são do tipo indireto livre (quando as falas dos personagens se confundem com as do narrador).


Pra concluir, vale ressaltar que esse livro é muito pesado. É cru e às vezes chocante. Tanto no que concerne o relacionamento dos personagens quanto nas teorias.



  - Beatriz Marques

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Resenha: Eleanor & Park, de Rainbow Rowell



Um filme dos anos 80, em formato de livro. 



Eleanor & Park é o único livro da escritora Rainbow Rowell publicado no Brasil. A autora já escreveu mais outros dois livros: Attachments, em 2011, seu livro de estréia, e FanGirl, em 2013, mesmo ano em que a autora escreveu Eleanor & Park. Apenas recentemente Eleanor & Park foi traduzido para o português, e não há sequer previsão para a tradução dos outros. Mas a boa notícia é: há a possibilidade de o livro virar filme!

Eleanor & Park é um romance, ambientado nos anos 80, que fala sobre os dois adolescentes que dão nome ao livro. Ambos têm problemas para se ajustarem à escola que estudam, por serem diferentes do restante dos alunos, mas logo começam uma amizade baseada em gostos em comum por quadrinhos e música. A amizade evolui para um romance, que logo encontra obstáculos: a família de ambos. Aliás, principalmente a família de Eleanor. Como é possível notar, a premissa do livro não é inovadora, ao contrário, beira ao clichê. 

Entretanto, se diferencia de outros livros justamente por sua base: o romance. O Eleanor & Park foca-se prioritariamente no romance entre os protagonistas, dando atenção para os seus personages principais de tal maneira que, não somente passamos a conhecê-los intimamente, como até mesmo podemos prever suas reações. As características de ambos são amplamente descritas e enfazatidos durante todo o livro de tal maneira que facilmente temos uma imagem mental de sua aparência física. Vai além, conseguimos nos sentir familiarizados com os dois, eles passam a ser pessoais quase reais, cometem seus erros, tem suas qualidades e defeitos, não soam superficiais em nenhum momento. 

Diferencia-se, também, Eleanor & Park de outros livros do mesmo gênero por como o relacionamento dos dois personagens principais começa. Enquanto alguns livros e filmes consegue fazer com que o primeiro contato entre um casal soe superficial e constrangedor, a autora consegue trazer um ar de naturalidade ao primeiro encontro deles. O relacionamento dos dois começa pela amizade, pelos gostos em comum, com conversas simples sobre quadrinhos, música, livros, filmes. Conversas que podem acontecer com qualquer pessoa, a qualquer momento, conversas muito próximas às reais. Há também, obviamente, a atração física, mas o romance deles não se limita a isso. 

A música também tem um grande papel no livro: os dois personagens principais comentam sobre músicas e algumas até embalam alguns momentos entre eles, funcionando quase como uma trilha sonora para a história. Bandas como The Smiths, The Cure, U2, The Beatles, e muitas outras são amplamente citadas durante o livro. Quem não conhece alguma delas, vale a pena conferir, principalmente porque a atmosfera entre as músicas citadas e a história contada é a mesma.  

É interessante notar como ambos personagens evoluem durante a história. Entedemos porque Eleanor fala que a foto de Park, tirada em outubro de 1985, já não mais condiz com a realidade, já que o garoto parecia estar muito mais velho apesar do pouco tempo transcorrido. Os dois personagens evoluem juntos, cada um motivando a transformação no outro. Assim, ao final do livro, vemos Park agir de uma maneira mais adulta e já não nos surpreendemos. 

O livro, entretanto, não é perfeito. Comete uma falha ao não aprofundar a história da família de Eleanor, sempre deixando a mãe, o padastro e os irmãos da garota como plano de fundo para o romance com Park. Acabamos o livro com a sensação de que não muito foi explicado em relação à família da jovem, apesar de durante todo o livro é a familia dela que impede o relacionamento com o garoto. Queria saber sobre o porquê de a mãe e o pai dela terem se separado, queria saber um pouco mais da manipulação do padrastro de Eleanor sobre a mãe e as crianças. Fica-se subentendido que Eleanor deve temer Richie, seu padastro, mas nunca fica evidente o porquê disso. Por exemplo, em certo momento da história – calma, não é Spoiler! – Eleanor escuta vozes de pessoas dentro de sua casa e um som de tiro, ela então corre para chamar a polícia. Pensamos que posteriormente a presença de tais pessoas na casa da menina, ou até mesmo os tiros, seria explicado, mas aparentemente a autora só cita para exemplificar, mais uma vez, o medo que Eleanor tem de seu padastro. 

O livro foi escrito em terceira pessoa, entretanto, a autora é inteligente ao variar os pontos de vista, fazendo com que seja possível adentrar a mente dos personagens e saber exatamente o que eles pensam naquele momento, parecendo ter sido escrito em primeira pessoa. 

A segunda falha do livro aparece, entretanto, justamente na escrita, pois ela se torna muito bobinha. A autora se utiliza de frases muito curtas, com excesso, fazendo com que a leitura seja de certa forma até imatura. Por exemplo, em certo trecho do livro:

Eleanor esperava que Park estivesse esperando-a no ponto de ônibus, mas não reclamaria se ele não estivesse.
Ele não estava.

Com a repetição exagerada de pronomes como “ele” e “ela” e a recorrência em utilizar as mesmas palavras para descrever sentimentos, a escrita da autora pode ser qualificada como fraca. Aqueles que procuram uma escrita mais aprofundada, com maiores descrições e realmete adentrar no ambiente do livro, não irão gostar da forma de escrever da autora. Para completar, a autora ainda tenta aproximar a escrita da fala, utilizando certas gírias que pela repetição constante e pelo seu uso errado – já que muitas vezes ela utiliza as gírias em momentos errados – provoca um efeito de superficiliade à fala dos personagens. 

Para finalizar, o livro é bom, com uma atmosfera meio anos 80: comédia romântica, em um ambiente escolar, menina estranha, menino estranho, garotos populares praticando bullying, mix de músicas gravas em fitas cassetes, carros antigos, etc. Mas não é indicado para pessoas que procuram romances com mais profundidade ou drama. Quem gosta de livros fáceis e rápidos de ler e até mesmo romances bobinhos, irá amar Eleanor & Park.

P.s.:  inspirada pelas músicas presentes no livro, resolvi criar uma pequena “playlist” de alguns cantores e bandas citados durante a história. As cinco primeiras músicas são citadas no livro, as restantes são apenas músicas que achei a cara da história. Espero que gostem: Playlist


    - Mariana Estrela.